O Brasil vive uma das maiores derrotas morais de sua história recente — e pouca gente tem coragem de admitir. Mas eu direi: a Anitta venceu. E com ela, venceu também uma geração inteira que defende, promove e celebra a cultura das drogas. Não foi apenas uma vitória cultural. Foi uma capitulação legal, institucional, social e moral.
Hoje, as cracolândias se multiplicam como metástases por todas as capitais brasileiras. Em São Paulo, estima-se que mais de 2 mil pessoas vivam em situação de total degradação na região da Luz, epicentro da cracolândia mais conhecida do país. Em Porto Alegre, o cenário já toma conta de bairros centrais. No Rio de Janeiro, a Praça Mauá virou ponto de concentração diária de usuários. Em Curitiba, Belo Horizonte e até em cidades médias, o mesmo fenômeno se repete. E o que o Estado faz? Observa, impotente.
Enquanto isso, personalidades como Anitta sobem no palco do discurso público para defender abertamente a legalização das drogas — como se isso fosse sinônimo de modernidade, de liberdade, de civilidade. E não são vozes isoladas. A mídia trata o tema com complacência. Universidades formam militantes pró-descriminalização. ONGs recebem verba pública para “reduzir danos” e normalizar o vício. A esquerda cultural venceu.
Nos anos 1990, o Brasil ainda tinha coragem moral. A campanha “Drogas? Nem morto!” era exibida em horário nobre, nas escolas, nos ônibus. O viciado era alguém a ser salvo — não celebrado. A sobriedade era uma virtude, e o vício, uma tragédia. Essa postura refletia o consenso da sociedade: que a vida valia mais do que o prazer químico. Hoje, esse consenso foi pulverizado por uma doutrina perversa de “redução de danos” e “liberdade de escolha”, que ignora o óbvio: um viciado grave não tem escolha real. Ele está aprisionado por um ciclo biológico e psicológico que exige intervenção, e não permissividade.
A destruição das defesas da sociedade diante das drogas não foi um acidente. Foi uma estratégia. Em 2001, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 10.216, a chamada Lei da Reforma Psiquiátrica, que instituiu o princípio do “tratamento em liberdade” e marcou o início do desmonte dos hospitais psiquiátricos e centros de reabilitação.
O modelo de internação foi demonizado, rotulado como “violento”, “manicomial”, “desumano”. O efeito foi imediato: em nome da liberdade, milhares de dependentes graves deixaram de ter acesso a internações estruturadas, sendo “encaminhados” para os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), que, na maioria dos casos, não têm estrutura física, equipe técnica ou abordagem terapêutica adequada para lidar com dependência química severa.
A consequência foi o que vemos hoje: legiões de pessoas em surto vivendo nas ruas, sem acompanhamento real.
Em 2006, veio o golpe final: a Lei nº 11.343, a nova Lei de Drogas, que acabou com a pena de prisão para usuários. Na prática, legalizou-se o consumo. Qualquer pessoa pode ser flagrada com drogas e simplesmente alegar uso pessoal. Os juízes, desarmados pela lei e pressionados por uma jurisprudência leniente, soltam todo mundo. Essa brecha jurídica passou a ser usada inclusive por traficantes, que se escondem sob a alegação de que são apenas usuários.
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Não bastasse isso, a ideologia da “redução de danos” ganhou força institucional. Passou a ser política pública distribuir cachimbos, seringas, kits de uso “seguro”. Sim, o mesmo Estado que abandonou o tratamento passou a financiar o consumo. O foco deixou de ser a recuperação — e passou a ser a normalização da decadência.
As cracolândias são o retrato nu e cru do que essa política representa: a rendição completa da sociedade diante do vício
São territórios onde o Estado não entra, onde a polícia é impedida de agir, onde ONGs e movimentos progressistas atuam não para resgatar, mas para proteger o direito de continuar no abismo.
E quando alguém ousa reagir? Quando um gestor tenta remover usuários de uma área pública, promover internações, restabelecer a ordem? É imediatamente processado, atacado pela imprensa, intimidado por Defensorias Públicas e ONGs financiadas com dinheiro estatal e internacional.
O argumento? “É direito do cidadão decidir o que faz com seu corpo”. Mas que direito é esse? O direito de morrer na sarjeta? O direito de recusar ajuda enquanto a mente está destruída pela droga? Isso não é liberdade. Isso é abandono legalizado.
A vitória de Anitta é simbólica. Ela representa uma cultura que glamoriza a transgressão, romantiza a degradação, e demoniza a virtude. É a vitória de uma geração que perdeu o senso de certo e errado, e que inverteu os valores mais elementares.
Hoje, ser contra as drogas virou “conservadorismo tóxico”. Defender a sobriedade virou “moralismo”. Falar em internação virou “violência”. O viciado virou símbolo de “resistência”, e quem tenta ajudá-lo, um opressor.
O que se impõe, antes de qualquer mudança de política pública, é um resgate moral profundo. O Brasil precisa voltar a afirmar com todas as letras: drogas são um mal. Não há nada de nobre, libertário ou moderno em consumir substâncias que roubam a consciência, destroem famílias, reduzem o ser humano à condição de zumbi.
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Ser usuário não é um ato político. É uma tragédia pessoal — e uma bomba social. O vício deve ser enfrentado com coragem, não tolerado com condescendência.
Precisamos, sim, de uma nova legislação. Precisamos permitir internação involuntária em casos graves, resgatar a autoridade do Estado para intervir, fortalecer clínicas e comunidades terapêuticas.
Mas nada disso será suficiente se não tivermos a coragem de dizer o óbvio: drogas destroem vidas. E é errado promovê-las. É errado glamorizá-las. É errado defender sua legalização como se fosse sinônimo de progresso.
O Brasil precisa de políticas públicas eficazes, sim. Mas, acima disso, precisa de um novo espírito. De uma geração capaz de recuperar a noção de bem e mal, de virtude e vício, de ordem e caos.
A cultura que naturaliza o uso de drogas é a mesma que desiste da recuperação, que abandona o fraco, que fecha os olhos para a dor e celebra a decadência como se fosse liberdade.
A pergunta que fica é simples e direta: vamos continuar fingindo que tudo isso é normal — ou vamos ter coragem de reagir? Porque enquanto continuarmos calados, a Anitta seguirá vencendo.
Bruno Souza é secretário de Assistência Social de Florianópolis.